sábado, junho 18, 2016

Os Escândalos e o Cristão



 

 Por Eduardo Feldberg







Há alguns meses, iniciei a delicada empreitada de escrever sobre o uso de tatuagens e piercings, e, no decorrer do artigo, entrei na complexa questão dos escândalos. Ali, o assunto foi se prolongando tanto que decidi resumir lá, e me aprofundar aqui! Neste estudo, escreverei sobre este tema, que infelizmente é muito mal esclarecido, e acaba prejudicando os cristãos e denegrindo a imagem do verdadeiro cristianismo.

A questão dos escândalos é de suma importância para nós, pois, quando mal interpretada, pode adulterar ou até mesmo erradicar algumas essências cristãs, como a liberdade e a individualidade, em detrimento de alguma tentativa equivocada de expressar o amor ao próximo. Prevejo que terei um pouco de trabalho em escrever este artigo, pois como se trata de outro assunto bem arraigado na mente de muitos, há várias formas de se pensar, entender e agir relacionadas a ele, mas como precisamos ter conceitos e posicionamentos bem definidos, não me furtarei de analisar essa questão!



1) O QUE MUITOS ENTENDEM POR ESCÂNDALO


Hoje em dia, a maioria das pessoas entende que “um escândalo é tudo aquilo que eu faço que outra pessoa não gosta”, mas, precisamos convir que essa definição é muito vaga e discriminatória. Vamos analisar a interpretação que alguns têm sobre o assunto, com base em uma ferramenta da Lógica chamada silogismo, isto é, uma estrutura de raciocínio usada para se chegar a uma conclusão, baseada em duas afirmações pré-concebidas, e até o fim deste artigo, veremos se esta definição é correta ou não. A compreensão mais difundida, e sumariamente aceita pelos cristãos, é a seguinte:


A) Escandalizar o próximo é fazer algo que ele não gosta;
B) Os cristãos se baseiam no amor, e, por isso, não devem fazer o que o próximo não gosta;
C) Logo, não devo fazer nada que meu próximo não goste, para não escandalizá-lo!


Apesar de ser comum e quase consensual, este raciocínio é falho em todas as linhas, e como é de se esperar, uma pessoa baseada nesta falácia pode gerar muitos problemas! Vejamos alguns exemplos práticos e corriqueiros:


Exemplo 01:

  • A) João não gosta de percussão;
  • B) Os membros da igreja do João o amam, portanto, não devem escandalizá-lo;
  • C) Na igreja do João, ninguém pode tocar percussão!


Exemplo 02:

  • A) Isabel entende que usar calça é incorreto;
  • B) Os membros da igreja da Isabel a amam, portanto, não devem escandalizá-la;
  • C) Logo, na igreja da Isabel, nenhuma mulher pode usar calça!


O silogismo usado acima ilustra um pouco do que as igrejas atualmente reconhecem como um escândalo, mas está totalmente errado, pois não faz o menor sentido todos terem que se adaptar às preferências ou posicionamentos de uma única pessoa, final, agindo assim, a Igreja de Cristo se tornaria uma instituição legalista, discriminatória, aprisionadora, vexatória, que desrespeita a identidade das pessoas, as sadias preferências dos indivíduos e a tão custosa liberdade conquistada por Jesus para nós! Não faz sentido afirmar que todos os cristãos precisam se adequar às preferências de uma pessoa, senão seria uma bagunça imensa, e uma falta de liberdade de expressão infinita, você não concorda?


Vamos analisar esta questão com base no que a Palavra de Deus nos diz, a fim de termos um posicionamento convicto sobre o assunto!



2) O QUE A BÍBLIA DIZ?


Como cristãos, baseamo-nos na Palavra de Deus, que é nosso manual de fé e prática, portanto precisamos nos ater ao que a Bíblia ensina a respeito deste assunto. Em Mateus 18.6-7, Jesus diz:


"Mas, qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar. Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!" (Versão ACR)


Isso nos dá a entender que cometer um escândalo é pecado, pois Deus provavelmente julgará os que assim o fizerem, afinal, é por meio dos escândalos que os pequeninos ou outras pessoas podem se perder, e se afastar dos caminhos do Senhor, porém, ainda precisamos definir o que é um escândalo.

Com base nestes versículos, alguns apressados já vão fazendo suas conclusões, sem lembrar que a Bíblia é composta por mais de trinta mil versículos, e não apenas por estes dois! Suponhamos que um cristão desavisado, embasado nestes versículos, afirme convictamente:

- Cometer escândalos é pecado!

Essa pessoa estará inevitavelmente acusando Jesus de pecador, afinal, Jesus escandalizou inúmeras pessoas!

- Ora, Eduardo! Não fale besteira! O próprio Jesus disse que escândalos são pecados!


Realmente, como lemos acima, Cristo disse que os escândalos sempre aconteceriam, mas que devemos nos esforçar para que não venham através de nós, porém, é fato que Jesus mesmo escandalizou inúmeras pessoas! Veja só:


"Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram-lhe: Sabes que os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram? Ele, porém, respondendo, disse: Toda a planta, que meu Pai celestial não plantou, será arrancada. Deixai-os; são condutores cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova." Mateus 15.12-14 (ACR)


Nesta situação, os fariseus se “escandalizaram” porque tinham o ritual de lavar as mãos antes de comer, e Jesus ignorou isso, e os censurou duramente por seu legalismo! Jesus estava “escandalizando” seus ouvintes, sabia disso, mas não se importou, e, despreocupado, prosseguiu com Sua repreensão. É curioso e interessante perceber que, ao que parece, Jesus escandalizou nada menos que os sacerdotes, fariseus e saduceus, ou seja, toda a nata religiosa da época! Como se fosse pouco dizer que Jesus cometeu escândalos, o próprio Deus vai além, e diz em Sua Palavra que Jesus é considerado uma Pedra de Escândalo! Nossa tradução diz Pedra de Tropeço e Rocha de Escândalo, numa tradução das palavras gregas πέτρα σκανδάλου (petra skandalon) escritas em Romanos 9.33, I Pedro 2.8 e Isaías 8.14. É curioso que, atualmente, usamos estas palavras para zombar de alguém, ou humilhar, como se fosse um termo pejorativo, mas na verdade, na Bíblia, esse termo é usado numa referência a Jesus Cristo, pois Ele faria muitos tropeçarem!

Desta forma, se afirmarmos que todo escândalo é pecado, entramos num paradoxo:

Cristo é totalmente santo (ou seja, sem pecado), e mesmo assim, escandalizou pessoas!


Parece-nos uma contradição, porém, como disse John Newton,


“Atribuirei todas as aparentes incoerências da Bíblia à minha própria ignorância.”


Certos de que a Bíblia está sempre certa, resta-nos admitir que:


1) NEM TODO ESCÂNDALO É PECADO, OU...

2) NEM TUDO QUE PARECE UM ESCÂNDALO REALMENTE O É!


A Palavra de Deus precisa ser estudada e compreendida, para que seja corretamente entendida, e, se num lugar ela diz que é errado cometer escândalos, e noutro, diz que Jesus os cometeu, precisamos decifrar isso! Para sanar essa questão, vamos verificar o que realmente é um escândalo, e o que é simplesmente uma preferência baseada num erro ou numa tradição humana, como o caso dos fariseus acima.


3) O QUE REALMENTE É UM ESCÂNDALO?


Em meus artigos, há dois procedimentos que considero cruciais:


1) Ressaltar afirmações e definições importantes, a fim de deixá-las bem claras em nossa mente, mesmo que, para isso, tenha que me valer de repetições um pouco enfadonhas;

2) Conceituar bem cada termo, a fim de definir e delinear a abrangência de seu significado.


Neste artigo, nossa grande definição será a do termo escândalo, e é essa definição que repetirei algumas vezes, para não esquecermos sua correta definição.


Escândalo é uma palavra proveniente do grego σκανδαλων (skandalon), e, segundo o Dicionário do Novo Testamento Grego, pode ser traduzida, dentre outras possibilidades, como “tropeço” ou “obstáculo”, no sentido de que um skandalon é tudo aquilo que faz alguém cair (tropeçar), ou que impede o avanço de seu crescimento ou aprendizado (obstáculo). Etimologicamente, o termo remete à ideia de um pau de arapuca, ou ao gatilho de uma ratoeira, no sentido de que o escândalo é algo que leva uma pessoa a tentação, e então a prejudica. Seguindo este raciocínio, no contexto cristão, o escândalo é algo que leva uma pessoa a cair no pecado, tropeçar nos princípios da Palavra, se desviar, ou que tem o poder de impedir que uma pessoa cresça em sabedoria, conhecimento e aprendizado cristão.


Porém, como uma imensidão de outras palavras, o termo “escândalo” é um termo polissêmico, ou seja, que tem diversos significados diferentes! Assim como no português há muitas palavras polissêmicas, como, por exemplo, a palavra manga, que pode significar tanto o fruto de uma mangueira, quanto uma parte de uma camiseta, ou ainda uma pastagem cerrada para cavalos e bois, o grego também tem suas polissemias, e a palavra escândalo é uma delas! No Dicionário Grego-Português, verifiquei que o termo escandalizar pode significar pelo menos três ações:


1) Escandalizar; levar a pecar;
2) Escandalizar; abandonar a fé;
3) Escandalizar; ofender; aborrecer.


E como um único termo (escandalizar) pode designar as três ações, precisamos analisar o contexto do versículo para definir qual das “alternativas” melhor se enquadra na situação. Veja a palavra carne, por exemplo. Uma única palavra (carne) pode significar:


  • Tecido muscular que envolve o corpo humano (Gn. 2.21)
  • Carne dos animais, que alimenta o homem (Gn. 9.4)
  • A totalidade do corpo humano (Nm. 8.7)
  • A totalidade dos seres vivos (Sl. 136.25)
  • Natureza humana corruptível (Jo. 3.6)
  • Pode significar algo bom (Ez. 11.19)
  • Pode significar algo ruim (Rm. 8.6)
  • Etc...


Ela tem mais de um significado, e, de acordo com o contexto do versículo, podemos entender qual tipo de carne está sendo citada! No caso dos escândalos, é a mesma coisa! Precisamos analisar o contexto. Vou dar alguns exemplos:


“Portanto, se o teu olho direito te escandalizar (te levar a pecar), arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno”. Mateus 5.29

“O que foi semeado em pedregais é o que ouve a palavra, e logo a recebe com alegria; Mas não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca duração; e, chegada a angústia e a perseguição, por causa da palavra, logo se escandaliza (abandona a fé).” Mateus 13.20-21

“Mas, para que os não escandalizemos (ofendamos), vai ao mar, lança o anzol, tira o primeiro peixe que subir, e abrindo-lhe a boca, encontrarás um estáter; toma-o, e dá-o por mim e por ti.” Mateus 17.27

(Versículos da Versão ACR, com inclusões em parêntesis feitas pelo próprio autor)


Como vemos, embora as três ocorrências tragam o termo “escandalizar”, em cada versículo há um significado diferente! Precisamos entender que nem sempre um “escândalo” na Bíblia significa o “escândalo” que estamos acostumados a dar significado, e consequentemente, nem toda vez que a Bíblia traz o termo escândalo, devemos entender como aquilo que deve a todo custo ser evitado. É o desconhecimento dessa informação que causa tanta confusão no meio cristão. O escândalo que deve ser evitado é o ato que leva alguma pessoa a pecar, ou abandonar a fé, e não aquele que simplesmente traz descontentamento a alguém, ou que é visto como uma ofensa sem qualquer embasamento racional.


Essas são as definições do termo no grego, porém, trazendo para o português, a coisa não fica tão diferente assim, afinal, o termo escândalo também tem mais de um significado na língua portuguesa. Consultei alguns dicionários, como o Michaelis e Aurélio, e resumi as principais definições do termo “escândalo”:


1) Ato imoral que gera desgraça a outrem; 2) Violação do que é correto e moral, e induz outra pessoa ao erro, ao mal ou pecado; 3) Ação que ofende o decoro ou as concepções morais estabelecidas; 4) Provocação ao mal pelo mau exemplo; 5) Circunstância ou ação que causa ofensa, irritação, indignação ou perplexidade em outrem.


Como podemos ver, há várias possibilidades, porém, nem todas se enquadram na advertência do Senhor Jesus em Mateus 18.7! Quando Cristo diz que o escândalo é algo a ser evitado, e que é terrível, está se referindo às atitudes imorais e pecaminosas que podem prejudicar outras pessoas, e não apenas a qualquer atitude que cause algum desconforto a outras pessoas!


- Puxa, Eduardo, mas quem disse isso?


Ninguém disse isso, mas é algo que precisa ser depreendido do texto! Se a Bíblia afirma que os escândalos são pecados, ao mesmo tempo em que afirma que Jesus cometeu escândalos, precisamos estudar isso, e de alguma forma fidedigna e honesta, concluir que, como já disse, ou nem todo escândalo é pecado, ou nem tudo que parece ser um escândalo realmente o é, afinal, se afirmarmos que o simples ato de ofender, irritar, indignar alguém é pecado, estaremos acusando o Santo Cordeiro de Deus de pecador, afinal, ele ofendeu e irritou pessoas (leia Mateus 23!), e mesmo assim, continuou sendo santo! Muitas vezes irritaremos pessoas por optarmos por uma vida santa! Amiúde, indignaremos pessoas cruéis por optarmos em agir com bondade! Muitos ficarão perplexos quando dissermos que não frequentaremos determinados lugares. Muitos se aborrecerão quando negarmos favores opostos aos nossos princípios, e nem por isso estaremos pecando, muito pelo contrário, nossa santificação e pureza gerarão irritações, ofensas, indignações e aborrecimentos! Foi o caso de Jesus, que por ser tão santo e bom, patenteou a religiosidade dos fariseus.

Além disso, a simples pesquisa em outras traduções e versões da Bíblia já deixam claro essa diferenciação nos significados da palavra escândalo. Vejamos alguns exemplos:

1) Mateus 18.6

  • Almeida Corrigida e Revista (ACR): “- Mas, qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar.”

  • Nova Versão Internacional (NVI): “- Mas se alguém fizer cair no pecado um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe seria amarrar uma pedra de moinho no pescoço e se afogar nas profundezas do mar.”


2) Mateus 18.7

  • Almeida Corrigida e Revista (ACR): “- Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!”

  • Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH): “- Ai do mundo por causa das coisas que fazem com que as pessoas me abandonem! Essas coisas têm de acontecer, mas ai do culpado!”


3) Mateus 17.27

  • Almeida Corrigida e Revista (ACR): “- Mas, para que os não escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, tira o primeiro peixe que subir, e abrindo-lhe a boca, encontrarás um estáter; toma-o, e dá-o por mim e por ti.”

  • Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH): “- Mas nós não queremos ofender essa gente. Por isso vá até o lago, jogue o anzol e puxe o primeiro peixe que você fisgar. Na boca dele você encontrará uma moeda. Então vá e pague com ela o meu imposto e o seu.”



Como podemos ver, os coordenadores da tradução Almeida Corrigida e Revista traduziram os três versículos acima ao pé da letra, ou seja, onde estava escrito skandalon, no original grego, eles traduziram como “escândalo”, enquanto os responsáveis pelas traduções NVI e NTLH já analisaram o contexto, e aplicaram o significado mais específico do termo em cada situação. Isso porque nem todo “escândalo” (em todos os seus possíveis significados) são realmente um escândalo que Jesus condenava! Em outras palavras, podemos afirmar “- Ai dos que escandalizarem (fizerem pecar)”, mas não podemos afirmar “- Ai dos que escandalizarem (ofenderem)”.

O escândalo que o Senhor abomina nada tem a ver com a mera preferência, gosto particular ou desejos de uma pessoa, que se não forem alcançadas, podem gerar alguma ofensa ou insatisfação, mas tem sempre a ver com um erro que gera outro erro, um mal que gera outro mal ou um pecado que gera outro pecado, ou seja, o escândalo proibido nada tem a ver com agradar ou desagradar alguém, mas sim em agir de forma moralmente errada, e consequentemente prejudicar alguém.

O problema é que, no entendimento de muitos, escandalizar é simplesmente “fazer algo que alguém não gosta”, mas embora isso também possa ser visto como escândalo, não é o tipo de escândalo que Jesus proíbe, e de qualquer forma, é evidente que este raciocínio não faz sentido, afinal, nem sempre agradaremos a todos, como o próprio Cristo não agradou! O escândalo proibido é aquela ação ou circunstância que traz a tentação ou pecado a alguma pessoa, e não simplesmente a discordância ou antipatia, e é muito importante entendermos isso! Nestes casos, “gosto não se discute”, mas sim aquilo que leva o próximo ao pecado!

Resumindo,

O escândalo que Jesus proíbe é:


  • Um erro que leva uma pessoa ao erro;
  • Um mal que leva uma pessoa ao mal;
  • Uma imoralidade ou pecado que leva uma pessoa ao pecado.


O escândalo que Jesus não proíbe é:


  • Desagradar alguém (afinal, Jesus também não agradou a todos!);
  • Não fazer o que o próximo quer (afinal, Jesus também não fez, nem faz tudo o que todos querem!).

sexta-feira, maio 13, 2016

Ao Cometer Suicídio, o Cristão Perde a Salvação?


           




  Texto de Miguel Núñez





Esse tem sido um dos temas mais controversos ao longo dos anos, e que lamentavelmente muitos têm respondido de uma maneira emocional e não através da análise bíblica. Aqueles de nós que crescemos no catolicismo sempre ouvimos que o suicídio é um pecado mortal que irremediavelmente envia a pessoa para o inferno. Para muitos que têm crescido com essa posição, é impossível despojar-se dessa ideia.

Outros têm estudado o tema e, depois de fazê-lo, concluem que nenhum cristão seria capaz de acabar com sua própria vida. Há outros que afirmam que um cristão poderia cometer suicídio, mas perderia a salvação. E ainda outros pensam que um cristão poderia cometer suicídio em situações extremas, sem que isso o conduza à condenação.

Em essência temos, então, quatro posições:

Todo aquele que comete suicídio, sob qualquer circunstância, vai para o inferno (posição Católica Tradicional).
Um cristão nunca chega a cometer suicídio, porque Deus impediria.
Um cristão pode cometer suicídio, mas perderá sua salvação.
Um cristão pode cometer suicídio, sem que necessariamente perca sua salvação.

A primeira dessas quatro posições foi basicamente a única crença até a época da Reforma, quando a doutrina da salvação (Soteriologia) começou a ser melhor estudada e entendida. Nesse momento, tanto Lutero como Calvino concluíram que eles não podiam afirmar categoricamente que um cristão não poderia cometer suicídio e/ou o que se suicidava iria ser condenado. Na medida em que a salvação das almas foi sendo analisada em detalhes, muitos dos reformadores começaram a fazer conclusões, de maneira distinta, sobre a posição que a Igreja de Roma tinha até então.

No fim das contas, a pergunta é: O Que a Bíblia diz?

Começamos mencionando aquelas coisas que sabemos de maneira definitiva a partir da revelação de Deus:

O ser humano é totalmente depravado (primeiro ponto do TULIP calvinista). Com isso, não queremos dizer que o ser humano é tão mal quanto poderia ser, mas que todas as suas capacidades estão manchadas pelo pecado: sua mente ou intelecto, seu coração ou emoções, e sua vontade.
O cristão foi regenerado, mas mesmo depois de ter nascido de novo, devido à permanência da natureza carnal, continua com a capacidade de cometer qualquer pecado, com a exceção do pecado imperdoável.
O pecado imperdoável é mencionado em Marcos 3:25-32 e outras passagens, e a partir desse contexto podemos concluir que esse pecado se refere à rejeição contínua da ação do Espírito Santo na conversão do homem. Outros, a partir dessa passagem citada, atribuem a Satanás as obras do Espírito de Deus. Obviamente, em ambos os casos está se fazendo referência a uma pessoa incrédula.
De maneira particular, queremos destacar que o cristão é capaz de tirar a vida de outra pessoa, como fez o Rei Davi, sem que isso afete a sua salvação.
O sacrifício de Cristo na cruz perdoou todos os nossos pecados: passados, presentes e futuros (Colossenses 2:13-14, Hebreus 10:11-18)
O anterior implica que o pecado que um cristão cometerá amanhã foi perdoado na cruz, onde Cristo nos justificou, e fomos declarados justos sem de fato sermos, e o fez como uma só ação que não necessita ser repetida no futuro. Na cruz, Cristo não nos tornou justificáveis, mas justificados (Romanos 3:23-26, Romanos 8:29-30)

A salvação e o ato do suicídio

Dentro do movimento evangélico existe um grupo de crentes, a quem já aludimos, denominados Arminianos, que diferem dos Calvinistas em relação à doutrina da salvação. Uma dessas diferenças, que não é a única, gira em torno da possibilidade de um cristão poder perder a salvação. Uma grande maioria nesse grupo crê que o suicídio é um dos pecados capazes de tirar a salvação do crente. Nós, que afirmamos a segurança eterna do crente (Perseverança dos Santos), não somos daqueles que acreditam que o suicídio ou qualquer outro pecado eliminaria a salvação que Cristo comprou na cruz.

Tanto na posição Calvinista como na Arminiana, alguns afirmam que um cristão jamais cometerá suicídio. No entanto, não existe nenhum versículo ou passagem bíblica que possa ser usado para categoricamente afirmar essa posição. Alguns, sabendo disso, defendem sua posição indicando que na Bíblia não há nenhum suicídio cometido pelos crentes, enquanto aparecem vários casos de personagens não crentes que acabaram com suas vidas. Com relação a essa observação, gostaria de dizer que usar isso para estabelecer que um cristão não pode cometer suicido não é uma conclusão sábia, porque estamos fazendo uso de um argumento de silêncio, que na lógica é o mais débil de todos. Há várias coisas não mencionadas na Bíblia (centenas ou talvez milhares) e se fizermos uso de argumentos de silêncio, estamos correndo o risco de estabelecer possíveis verdades nunca reveladas na Bíblia. Exemplo: não aparece um só relato de Jesus rindo; a partir disso eu poderia concluir que Jesus nunca riu ou não tinha capacidade para rir. Seria esse um argumento sólido? Obviamente não.

Gostaríamos de enfatizar que, se alguém que vive uma vida consistente com a fé cristã comete suicídio, teríamos que nos perguntar antes de ir mais além, se realmente essa pessoa evidenciava frutos de salvação, ou se sua vida era mais uma religiosidade do que qualquer outra coisa. Eu acho que, provavelmente, esse seria o caso da maioria dos suicídios dos chamados cristãos.

Apesar disso, cremos que, como Jó, Moisés, Elias e Jeremias, os cristãos podem se deprimir tanto a ponto de quererem morrer. E se esse cristão não tem um chamado e um caráter tão forte como o desses homens, pensamos que pode ir além do mero desejo e acabar tirando a própria vida. Nesse caso, o que Deus permitir acontecer pode representar parte da disciplina de Deus, por esse cristão não ter feito uso dos meios da graça dentro do corpo de Cristo, proporcionados por Deus para a ajuda de seus filhos.

Muitos acreditam, como já mencionamos, que esse pecado cometido no último momento não proveu oportunidade para o arrependimento, e é isso o que termina roubando-lhe a salvação ao suicidar-se. Eu quero que o leitor faça uma pausa nesse momento e questione o que aconteceria se ele morresse nesse exato momento, se ele pensa que morreria livre de pecado. A resposta para essa pergunta é evidente: Não! Ninguém morre sem pecado, porque não há nenhum instante em nossas vidas em que o ser humano está completamente livre do pecado. Em cada momento de nossa existência há pecados em nossas vidas dos quais não estamos nem sequer apercebidos, e outros que nem conhecemos, mas que nesse momento não temos nos dirigido ao Pai para buscar seu perdão, simplesmente porque o consideramos um pecado menos grave, ou porque estamos esperando pelo momento apropriado para ir orar e pedir tal perdão.

A realidade sobre isso é que, quando Cristo morreu na cruz, ele pagou por nossos pecados passados, presentes e futuros, como já dissemos. Portanto, o mesmo sacrifício que cobre os pecados que permanecerão conosco até o momento de nossa morte é o que cobrirá um pecado como o suicídio. A Palavra de Deus é clara em Romanos 8:38 e 39: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Note que o texto diz que “nenhuma outra coisa criada”. Esta frase inclui o próprio crente. Notemos também que essa passagem fala que “nem as coisas do presente, nem do porvir”, fazendo referência às situações futuras que ainda não vivemos. Por outro lado, João 10:27-29 nos fala que ninguém pode nos arrebatar da mão de nosso Pai, e Filipenses 1:6 diz que “aquele que começou a boa obra em vós, há de completá-la até o dia de Cristo Jesus”. Concluindo:

Se estabelecemos que o cristão é capaz de cometer qualquer pecado, por que não conceber que potencialmente ele poderá cometer o pecado do suicídio?
Se estabelecemos que o sangue de Cristo é capaz de perdoar todo pecado, ele não cobriria esse outro pecado?
Se o sacrifício na cruz nos tornou perfeitos para sempre, como diz o autor de Hebreus (7:28, 10:14), não seria isso suficiente para afirmarmos que nenhum pecado rouba a nossa salvação?
Se até Moisés chegou a desejar que Deus lhe tirasse a vida, devido à pressão que o povo exerceu sobre ele, não poderia um paciente esquizofrênico ou na condição de depressão extrema, que não tenha a força de caráter de um Moisés, atentar contra a sua própria vida de maneira definitiva?
Se não somos Deus e não temos nenhuma maneira de medir a conversão interior do ser humano, poderíamos afirmar categoricamente que alguém que deu testemunho de cristão durante sua vida, ao cometer suicídio, realmente não era um cristão?
Baseados na história bíblica e na experiência do povo de Deus, poderíamos concluir que o suicídio entre crentes provavelmente é uma ocorrência extraordinariamente rara, devido à ação do Espírito Santo e aos meios de graça presentes no corpo de Cristo.
Pensamos que o suicídio é um pecado grave, porque atenta contra a vida humana. Mas já estabelecemos que um crente é capaz de eliminar a vida humana, como o fez Davi. Se eu posso fazer algo contra alguém, como não conceber que posso fazê-lo contra mim mesmo? Essa é a nossa posição.

Como você pode ver, não é tão fácil estabelecer uma posição categórica sobre o suicídio e a salvação. Tudo o que podemos fazer é raciocinar através de verdades teológicas claramente estabelecidas, a fim de chegar a uma provável conclusão sobre um fato não estabelecido de forma definitiva. Portanto, quanto mais coerentemente teológico for meu argumento, mais provável será a conclusão que eu chegar. Agostinho tinha razão ao dizer: “Naquilo que é essencial, unidade; naquilo que é duvidoso, liberdade; e em todas as coisas, caridade”. Minha recomendação é que você possa fazer um estudo exaustivo, outra vez ou pela primeira vez, acerca de tudo o que Deus disse sobre a salvação, que é muito mais importante que o suicídio, que é quase nada.

segunda-feira, maio 09, 2016

Que Deus nos ajude a não jogar a toalha.

                                                                                                           Por Antognoni Misael



Tenho vivido dias de tempestades. Já são 17 anos de evangelho e o sofrimento parece só ter aumentado. Isto porque me ensinaram precocemente a tal de uma “arte de pensar”. Aí comecei a me achar um “pensador”, principalmente depois que me disseram que tinha recebido a mente de Cristo. Então o que antes era um exercício para auto-edificação, aos poucos foi se tornando o meu próprio fardo - isto porque limpei as sujeiras de minhas lentes pelas quais via as coisas, mas infelizmente não pude fazer o mesmo com muitos que me rodeiam.

Concordo piamente com o que disseram certa vez: “o mais corajoso dos atos ainda é pensar coma própria cabeça" (Coco Chanel).

Ando pecando muito. Confesso. Por isso estou invejando aquele simples cristão que mora no campo; que passa o dia abraçado com a criação de Deus lidando diretamente com a natureza e as mais variadas formas de plantas, pássaros, riachos, rios, vento, sombra... Quanta simplicidade!

Invejo o cristão humilde daquela igrejinha simples, que a noite se reúne com os irmãos num templo pobre, sem som, iluminação, sem amplificadores, sem instrumentos eletrificados, sem projetores - apenas a Bíblia, a voz, a viola do campo envelhecida e a maravilhosa presença de Jesus.

Invejo o cristão que não sabe nada sobre o academicismo teológico, o qual tem reproduzido gente que diante de tanto conhecimento acaba se desnaturalizando e perdendo a beleza do ser e existir.

Invejo os que nunca ouviram falar em shows gospel e nunca souberam das falcatruas dos seus astros que, por amor ao dinheiro, têm adorado a falsos deuses, dentre eles, mamom.

Invejo o cristão que nunca acessou uma internet e nunca teve noção do estado da igreja brasileira. Que ele nunca assista a esses vídeo onde cristãos mais parecem insanos, loucos e des-racionalizados. (Sim a loucura do Evangelho, mas nunca a loucura dos evangélicos).

Invejo o cristão que nem sonha que existem milhares de pseudo-líderes escondendo a cruz de Cristo e faturando grana em detrimento de um falso evangelho.

Os invejo porque sei que estão regozijados e satisfeitos plenamente em Cristo e poupados das tantas loucuras deste mundo.

Estamos diante de um conflito sistemático que nos inquieta. Tudo está em cheque: nossa fé, missão e relevância. E ao notar que as engrenagens do sistema o qual estamos inseridos está enferrujada, não nos cabe mais a fuga, mas sim o doloroso enfrentamento por amor a Deus e a sua Igreja. Daí notamos que “pensar” tem nos gerado sofrimento porque automaticamente esta ação faz com que não nos conformemos com a loucura corrupta deste mundo, e isso ao mesmo tempo nos torna perseguidos por uma outra “fé”, outra “missão” e outra “relevância”.

Outra fé. A fé do evangelho conveniente. A fé do mistério, da prosperidade, da cura, do decreto, da barganha.

Outra missão. A missão de ser feliz a todo custo. A missão de ser destaque neste mundo, ser cabeça, ser filho do Rei e ter direito ao melhor desta terra.

Outra relevância. A relevância de ser um povo separado, longe e distante do pecador.

Sendo perseguido por estas “outras” citadas e denunciado-as como incoerentes com os valores do reino, automaticamente tornamo-nos os perseguidores. E neste prisma, alguns embates surgem como proposta para nosso recuo:

1) Somos acusados de dividir o reino
2) Somos acusados de tocar nos "ungidos do Senhor"
3) Somos acusados de rebeldes e intolerantes
4) Corremos o grande risco de que alguns crentes se afastem de nós
5) Corremos o grande risco de nos tornarmos uma espécie de intruso na igreja

Contudo, 'pensar' ainda tem sido uma arma para igreja nestes tempos - por isso é de se estranhar uma igreja que diz ter a mente de Cristo, mas ao mesmo tempo odeia usá-la.

Pensar. Não é proibido pensar. Aliás, "É proibido proibir" de pensar.

Mas vamos logo sabendo que quem pensa muito, descansa menos. Entretanto, o nosso chamado é para não nos conformarmos, mas nos transformarmos pela renovação da mente. Isto é, penso, logo sigo a Jesus, em Rm 12.2.

Termino pedindo misericórdia e Graça a Deus, pois as "invejas" citadas acima, e que tanto sinto, na verdade podem ser uma evidência de que estou cansando. E cansar pode gerar em mim (ou em nós) a covardia de viver um “Let It Be” religioso, como se ter a mente de Cristo não fosse algo honroso, uma vez que nos faz sofrer, ser mal interpretado, injustiçado e perseguido.

Que Deus me (e nos) ajude a não jogar a toalha!


Soli Deo Gloria
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Antognoni Misael, cansando diante de tanto anacronismo evangélico, ou como se disse por aí, em-vão-gélico.

segunda-feira, março 21, 2016

Vamos Lutar


Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas.
2Coríntios 10:4

Fomos chamados para lutar. O apóstolo Paulo chama a vida cristã de “COMBATE”. Na carta aos Efésios, ele a chama de LUTA. Pedro chama de GUERRA.

A vida cristã é uma constante luta. Um combate árduo contra uma infinidade de inimigos que estão, o tempo todo, à nossa volta. Uma guerra descomunal contra a carne e suas inclinações pecaminosas; contra as tentações e propostas deste mundo caído; contra o príncipe das trevas e suas hostes; contra as heresias, que se espalham com uma velocidade gigantesca; contra os falsos profetas.

Saiamos, agora, da zona de conforto! Deixemos nossa autopreservação, preguiça e indolência. Não é hora de temer. Desembainhemos as espadas, vistamos nossa armadura e saiamos ao combate!

Sião está sendo ameaçada. Os inimigos estão construindo fortalezas ao seu redor. As trincheiras estão armadas e prontas para o ataque. O inimigo é cruel, inescrupuloso, frio e calculista! Ele quer entrar, destruir, saquear, corromper, torturar os santos até matá-los! Ele pretende sitiar Sião, tomar o trono, destruir a verdade, blasfemar o nome do Altíssimo e promover o mau!

A justiça corre perigo! Os falsos profetas chegaram. Eles vêm em nome do seu senhor, satanás, espalhando mentira, engano, morte e condenação. Milhões estão os seguindo, cegos em suas concupiscências e devaneios.

A eternidade dos homens está em jogo! Multidões já foram mortas e condenadas, outras tantas estão morrendo e inumeráveis outras ainda morrerão sem esperança de conhecer o Salvador. Ó céus, quanta penúria, dor e sofrimento! Quanto escárnio da verdade. Quanta atrocidade contra o nome do Deus que fez os céus e a Terra. Que os santos se revoltem. Que o Espirito de Senhor vos encha de juízo, para saírem ao combate!

Não podemos ficar estáticos, fomos chamados para lutar, defender as sãs doutrinas. Fomos postos para a defesa do evangelho. No entanto, não lutaremos na carne. Não pegaremos em armas de fogo ou explosivos. Nossas armas não são deste mundo. Lutaremos com armas espirituais, pois o oponente é espiritual. Lutaremos com oração agonizante e intercessória; lutaremos com jejuns sacrificiais, amor incondicional e abnegação. Para a defesa, lutaremos com a mais poderosa arma: a FÉ!

Para a o combate é necessário a armadura de Cristo: Sua salvação conquistada e perpetrada em nossa mente transformada, como um elmo de bronze. A verdade que liberta, sendo nosso cinturão, dando-nos equilíbrio. A justiça de Cristo cobrindo nosso peitoral contra a culpa do pecado. Em nossos pés formosos, as sandálias da proclamação do Evangelho a toda criatura da Terra, quer em tempo oportuno quer não! Para a defesa embracemos o escudo da fé, no qual as investidas do diabo serão impenetráveis, pois essa é a fé que uma vez foi dada aos santos! O ataque será feito com a afiada Palavra de Deus, com a qual feriremos a golpes mortais o inimigo, memorizando, crendo e se apoderando de suas preciosas promessas!

A certeza da vitória reside no fato que a frente dessa peleja, com a mais alta patente, está o nosso general vitorioso, invencível e ressurreto: Cristo Jesus. O capitão de nossa salvação, o Senhor dos exércitos! Sigamos em passo de ganso, como uma infantaria atenta às suas ordens e lutemos! A guerra já começou. FOMOS CHAMADOS PARA LUTAR!

Em Cristo,


Paulo Junior
Igreja  Aliança do Calvário.

quarta-feira, janeiro 27, 2016

FILÓSOFO LUIZ FELIPE PONDÉ EXPLICA PORQUE DEIXOU DE SER ATEU.


A revista Veja de 13/7 publicou entrevista interessante com o filósofo Luiz Felipe Pondé, de 52 anos. Responsável por uma coluna semanal na Folha de S. Paulo e autor de livros, Pondé costuma criticar certezas e lugares-comuns bem estabelecidos entre seus pares. Professor da Faap e da PUC, em São Paulo, o filósofo também é estudioso de teologia e considera o ateísmo filosoficamente raso, mas não é seguidor de nenhuma religião em particular. Pondé diz que “a esquerda é menos completa como ferramenta cultural para produzir uma visão de si mesma. A espiritualidade de esquerda é rasa. Aloca toda a responsabilidade do mal fora de você: o mal está na classe social, no capital, no estado, na elite. Isso infantiliza o ser humano. Ninguém sai de um jantar inteligente para se olhar no espelho e ver um demônio. Não: todos se veem como heróis que estão salvando o mundo por andar de bicicleta”. Sobre sexo, ele diz: “Eu considero a revolução sexual um dos maiores engodos da história recente. Criou uma dimensão de indústria, no sentido da quantidade, das relações sexuais – mas na maioria elas são muito ruins, porque as pessoas são complicadas.”

Por que a política não pode ser redentora?

O cristianismo, que é uma religião hegemônica no Ocidente, fala do pecador, de sua busca e de seu conflito interior. É uma espiritualidade riquíssima, pouco conhecida por causa do estrago feito pelo secularismo extremado. Ao lado de sua vocação repressora institucional, o cristianismo reconhece que o homem é fraco, é frágil. As redenções políticas não têm isso. Esse é um aspecto do pensamento de esquerda que eu acho brega. Essa visão do homem sem responsabilidade moral. O mal está sempre na classe social, na relação econômica, na opressão do poder. Na visão medieval, é a graça de Deus que redime o mundo. É um conceito complexo e fugidio. Não se sabe se alguém é capaz de ganhar a graça por seus próprios méritos, ou se é Deus na sua perfeição que concede a graça. Em qualquer hipótese, a graça não depende de um movimento positivo de um grupo. Na redenção política, é sempre o coletivo, o grupo, que assume o papel de redentor. O grupo, como a história do século 20 nos mostrou, é sempre opressivo.

Em que o cristianismo é superior ao pensamento de esquerda?

Pegue a ideia de santidade. Ninguém, em nenhuma teologia da tradição cristã – nem da judaica ou islâmica –, pode dizer-se santo. Nunca. Isso na verdade vem desde Aristóteles: ninguém pode enunciar a própria virtude. A virtude de um homem é anunciada pelos outros homens. Na tradição católica – o protestantismo não tem santos –, o santo é sempre alguém que, o tempo todo, reconhece o mal em si mesmo. O clero da esquerda, ao contrário, é movido por um sentimento de pureza. Considera sempre o outro como o porco capitalista, o burguês. Ele próprio não. Ele está salvo, porque reclica lixo, porque vota no PT, ou em algum partido que se acha mais puro ainda, como o PSOL, até porque o PT já está meio melado. Não há contradição interior na moral esquerdista. As pessoas se autointitulam santas e ficam indignadas com o mal do outro.


Quando o cristianismo cruza o pensamento de esquerda, como no caso da Teologia da Libertação, a humildade se perde?

Sim. Eu vejo isso empiricamente em colegas da Teologia da Libertação. Eles se acham puros. Tecnicamente, a Teologia da Libertação é, por um lado, uma fiel herdeira da tradição cristã. Ela vem da crítica social que está nos profetas de Israel, no Antigo Testamento. Esses profetas falam mal do rei, mas em idealizar o povo. O cristianismo é descendente principalmente desse viés do judaísmo.

Também o cristianismo nasceu questionando a estrutura social. Até aqui, isso não me parece um erro teológico. Só que a Teologia da Libertação toma como ferramenta o marxismo, e isso sim é um erro. Um cristão que recorre a Marx, ou a Nietzsche – a quem admiro –, é como uma criança que entra na jaula do leão e faz bilu-bilu na cara dele. É natural que a Teologia da Libertação, no Brasil, tenha evoluído para Leonardo Boff, que já não tem nada de cristão. Boff evoluiu para um certo paganismo Nova Era – e já nem é marxista tampouco. A Teologia da Libertação é ruim de marketing. É como já se disse: enquanto a Teologia da Libertação fez a opção pelo pobre, o pobre fez a opção pelo pentecostalismo.

O senhor acredita em Deus?

Sim. Mas já fui ateu por muito tempo. Quando digo que acredito em Deus, é porque acho essa uma das hipóteses mais elegantes em relação, por exemplo, à origem do universo. Não é que eu rejeite o acaso ou a violência implícitos no darwinismo – pelo contrário. Mas considero que o conceito de Deus na tradição ocidental é, em termos filosóficos, muito sofisticado. Lembro-me sempre de algo que o escritor inglês Chesterton dizia: não há problema em não acreditar em Deus; o problema é que quem deixa de acreditar em Deus começa a acreditar em qualquer outra bobagem, seja na história, na ciência ou sem si mesmo, que é a coisa mais brega de todas. Só alguém muito alienado pode acreditar em si mesmo. Minha posição teológica não é óbvia e confunde muito as pessoas. Opero no debate público assumindo os riscos do niilista. Quase nunca lanço a hipótese de Deus no debate moral, filosófico ou político. Do ponto de vista político, a importância que vejo na religião é outra. Para mim, ela é uma fonte de hábitos morais, e historicamente oferece resistência à tendência do Estado moderno de querer fazer a cura das almas, como se dizia na Idade Média – querer se meter na vida moral das pessoas.

Por que o senhor deixou de ser ateu?

Comecei a achar o ateísmo aborrecido, do ponto de vista filosófico. A hipótese de Deus bíblico, na qual estamos ligados a um enredo e um drama morais muito maiores do que o átomo, me atraiu. Sou basicamente pessimista, cético, descrente, quase na fronteira da melancolia. Mas tenho sorte sem merecê-la. Percebo uma certa beleza, uma certa misericórdia no mundo, que não consigo deduzir a partir dos seres humanos, tampouco de mim mesmo. Tenho a clara sensação de que às vezes acontecem milagres. Só encontro isso na tradição teológica.


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Do CACP, via Síntese Cristão