sexta-feira, maio 13, 2016

Ao Cometer Suicídio, o Cristão Perde a Salvação?


           




  Texto de Miguel Núñez





Esse tem sido um dos temas mais controversos ao longo dos anos, e que lamentavelmente muitos têm respondido de uma maneira emocional e não através da análise bíblica. Aqueles de nós que crescemos no catolicismo sempre ouvimos que o suicídio é um pecado mortal que irremediavelmente envia a pessoa para o inferno. Para muitos que têm crescido com essa posição, é impossível despojar-se dessa ideia.

Outros têm estudado o tema e, depois de fazê-lo, concluem que nenhum cristão seria capaz de acabar com sua própria vida. Há outros que afirmam que um cristão poderia cometer suicídio, mas perderia a salvação. E ainda outros pensam que um cristão poderia cometer suicídio em situações extremas, sem que isso o conduza à condenação.

Em essência temos, então, quatro posições:

Todo aquele que comete suicídio, sob qualquer circunstância, vai para o inferno (posição Católica Tradicional).
Um cristão nunca chega a cometer suicídio, porque Deus impediria.
Um cristão pode cometer suicídio, mas perderá sua salvação.
Um cristão pode cometer suicídio, sem que necessariamente perca sua salvação.

A primeira dessas quatro posições foi basicamente a única crença até a época da Reforma, quando a doutrina da salvação (Soteriologia) começou a ser melhor estudada e entendida. Nesse momento, tanto Lutero como Calvino concluíram que eles não podiam afirmar categoricamente que um cristão não poderia cometer suicídio e/ou o que se suicidava iria ser condenado. Na medida em que a salvação das almas foi sendo analisada em detalhes, muitos dos reformadores começaram a fazer conclusões, de maneira distinta, sobre a posição que a Igreja de Roma tinha até então.

No fim das contas, a pergunta é: O Que a Bíblia diz?

Começamos mencionando aquelas coisas que sabemos de maneira definitiva a partir da revelação de Deus:

O ser humano é totalmente depravado (primeiro ponto do TULIP calvinista). Com isso, não queremos dizer que o ser humano é tão mal quanto poderia ser, mas que todas as suas capacidades estão manchadas pelo pecado: sua mente ou intelecto, seu coração ou emoções, e sua vontade.
O cristão foi regenerado, mas mesmo depois de ter nascido de novo, devido à permanência da natureza carnal, continua com a capacidade de cometer qualquer pecado, com a exceção do pecado imperdoável.
O pecado imperdoável é mencionado em Marcos 3:25-32 e outras passagens, e a partir desse contexto podemos concluir que esse pecado se refere à rejeição contínua da ação do Espírito Santo na conversão do homem. Outros, a partir dessa passagem citada, atribuem a Satanás as obras do Espírito de Deus. Obviamente, em ambos os casos está se fazendo referência a uma pessoa incrédula.
De maneira particular, queremos destacar que o cristão é capaz de tirar a vida de outra pessoa, como fez o Rei Davi, sem que isso afete a sua salvação.
O sacrifício de Cristo na cruz perdoou todos os nossos pecados: passados, presentes e futuros (Colossenses 2:13-14, Hebreus 10:11-18)
O anterior implica que o pecado que um cristão cometerá amanhã foi perdoado na cruz, onde Cristo nos justificou, e fomos declarados justos sem de fato sermos, e o fez como uma só ação que não necessita ser repetida no futuro. Na cruz, Cristo não nos tornou justificáveis, mas justificados (Romanos 3:23-26, Romanos 8:29-30)

A salvação e o ato do suicídio

Dentro do movimento evangélico existe um grupo de crentes, a quem já aludimos, denominados Arminianos, que diferem dos Calvinistas em relação à doutrina da salvação. Uma dessas diferenças, que não é a única, gira em torno da possibilidade de um cristão poder perder a salvação. Uma grande maioria nesse grupo crê que o suicídio é um dos pecados capazes de tirar a salvação do crente. Nós, que afirmamos a segurança eterna do crente (Perseverança dos Santos), não somos daqueles que acreditam que o suicídio ou qualquer outro pecado eliminaria a salvação que Cristo comprou na cruz.

Tanto na posição Calvinista como na Arminiana, alguns afirmam que um cristão jamais cometerá suicídio. No entanto, não existe nenhum versículo ou passagem bíblica que possa ser usado para categoricamente afirmar essa posição. Alguns, sabendo disso, defendem sua posição indicando que na Bíblia não há nenhum suicídio cometido pelos crentes, enquanto aparecem vários casos de personagens não crentes que acabaram com suas vidas. Com relação a essa observação, gostaria de dizer que usar isso para estabelecer que um cristão não pode cometer suicido não é uma conclusão sábia, porque estamos fazendo uso de um argumento de silêncio, que na lógica é o mais débil de todos. Há várias coisas não mencionadas na Bíblia (centenas ou talvez milhares) e se fizermos uso de argumentos de silêncio, estamos correndo o risco de estabelecer possíveis verdades nunca reveladas na Bíblia. Exemplo: não aparece um só relato de Jesus rindo; a partir disso eu poderia concluir que Jesus nunca riu ou não tinha capacidade para rir. Seria esse um argumento sólido? Obviamente não.

Gostaríamos de enfatizar que, se alguém que vive uma vida consistente com a fé cristã comete suicídio, teríamos que nos perguntar antes de ir mais além, se realmente essa pessoa evidenciava frutos de salvação, ou se sua vida era mais uma religiosidade do que qualquer outra coisa. Eu acho que, provavelmente, esse seria o caso da maioria dos suicídios dos chamados cristãos.

Apesar disso, cremos que, como Jó, Moisés, Elias e Jeremias, os cristãos podem se deprimir tanto a ponto de quererem morrer. E se esse cristão não tem um chamado e um caráter tão forte como o desses homens, pensamos que pode ir além do mero desejo e acabar tirando a própria vida. Nesse caso, o que Deus permitir acontecer pode representar parte da disciplina de Deus, por esse cristão não ter feito uso dos meios da graça dentro do corpo de Cristo, proporcionados por Deus para a ajuda de seus filhos.

Muitos acreditam, como já mencionamos, que esse pecado cometido no último momento não proveu oportunidade para o arrependimento, e é isso o que termina roubando-lhe a salvação ao suicidar-se. Eu quero que o leitor faça uma pausa nesse momento e questione o que aconteceria se ele morresse nesse exato momento, se ele pensa que morreria livre de pecado. A resposta para essa pergunta é evidente: Não! Ninguém morre sem pecado, porque não há nenhum instante em nossas vidas em que o ser humano está completamente livre do pecado. Em cada momento de nossa existência há pecados em nossas vidas dos quais não estamos nem sequer apercebidos, e outros que nem conhecemos, mas que nesse momento não temos nos dirigido ao Pai para buscar seu perdão, simplesmente porque o consideramos um pecado menos grave, ou porque estamos esperando pelo momento apropriado para ir orar e pedir tal perdão.

A realidade sobre isso é que, quando Cristo morreu na cruz, ele pagou por nossos pecados passados, presentes e futuros, como já dissemos. Portanto, o mesmo sacrifício que cobre os pecados que permanecerão conosco até o momento de nossa morte é o que cobrirá um pecado como o suicídio. A Palavra de Deus é clara em Romanos 8:38 e 39: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Note que o texto diz que “nenhuma outra coisa criada”. Esta frase inclui o próprio crente. Notemos também que essa passagem fala que “nem as coisas do presente, nem do porvir”, fazendo referência às situações futuras que ainda não vivemos. Por outro lado, João 10:27-29 nos fala que ninguém pode nos arrebatar da mão de nosso Pai, e Filipenses 1:6 diz que “aquele que começou a boa obra em vós, há de completá-la até o dia de Cristo Jesus”. Concluindo:

Se estabelecemos que o cristão é capaz de cometer qualquer pecado, por que não conceber que potencialmente ele poderá cometer o pecado do suicídio?
Se estabelecemos que o sangue de Cristo é capaz de perdoar todo pecado, ele não cobriria esse outro pecado?
Se o sacrifício na cruz nos tornou perfeitos para sempre, como diz o autor de Hebreus (7:28, 10:14), não seria isso suficiente para afirmarmos que nenhum pecado rouba a nossa salvação?
Se até Moisés chegou a desejar que Deus lhe tirasse a vida, devido à pressão que o povo exerceu sobre ele, não poderia um paciente esquizofrênico ou na condição de depressão extrema, que não tenha a força de caráter de um Moisés, atentar contra a sua própria vida de maneira definitiva?
Se não somos Deus e não temos nenhuma maneira de medir a conversão interior do ser humano, poderíamos afirmar categoricamente que alguém que deu testemunho de cristão durante sua vida, ao cometer suicídio, realmente não era um cristão?
Baseados na história bíblica e na experiência do povo de Deus, poderíamos concluir que o suicídio entre crentes provavelmente é uma ocorrência extraordinariamente rara, devido à ação do Espírito Santo e aos meios de graça presentes no corpo de Cristo.
Pensamos que o suicídio é um pecado grave, porque atenta contra a vida humana. Mas já estabelecemos que um crente é capaz de eliminar a vida humana, como o fez Davi. Se eu posso fazer algo contra alguém, como não conceber que posso fazê-lo contra mim mesmo? Essa é a nossa posição.

Como você pode ver, não é tão fácil estabelecer uma posição categórica sobre o suicídio e a salvação. Tudo o que podemos fazer é raciocinar através de verdades teológicas claramente estabelecidas, a fim de chegar a uma provável conclusão sobre um fato não estabelecido de forma definitiva. Portanto, quanto mais coerentemente teológico for meu argumento, mais provável será a conclusão que eu chegar. Agostinho tinha razão ao dizer: “Naquilo que é essencial, unidade; naquilo que é duvidoso, liberdade; e em todas as coisas, caridade”. Minha recomendação é que você possa fazer um estudo exaustivo, outra vez ou pela primeira vez, acerca de tudo o que Deus disse sobre a salvação, que é muito mais importante que o suicídio, que é quase nada.

segunda-feira, maio 09, 2016

Que Deus nos ajude a não jogar a toalha.

                                                                                                           Por Antognoni Misael



Tenho vivido dias de tempestades. Já são 17 anos de evangelho e o sofrimento parece só ter aumentado. Isto porque me ensinaram precocemente a tal de uma “arte de pensar”. Aí comecei a me achar um “pensador”, principalmente depois que me disseram que tinha recebido a mente de Cristo. Então o que antes era um exercício para auto-edificação, aos poucos foi se tornando o meu próprio fardo - isto porque limpei as sujeiras de minhas lentes pelas quais via as coisas, mas infelizmente não pude fazer o mesmo com muitos que me rodeiam.

Concordo piamente com o que disseram certa vez: “o mais corajoso dos atos ainda é pensar coma própria cabeça" (Coco Chanel).

Ando pecando muito. Confesso. Por isso estou invejando aquele simples cristão que mora no campo; que passa o dia abraçado com a criação de Deus lidando diretamente com a natureza e as mais variadas formas de plantas, pássaros, riachos, rios, vento, sombra... Quanta simplicidade!

Invejo o cristão humilde daquela igrejinha simples, que a noite se reúne com os irmãos num templo pobre, sem som, iluminação, sem amplificadores, sem instrumentos eletrificados, sem projetores - apenas a Bíblia, a voz, a viola do campo envelhecida e a maravilhosa presença de Jesus.

Invejo o cristão que não sabe nada sobre o academicismo teológico, o qual tem reproduzido gente que diante de tanto conhecimento acaba se desnaturalizando e perdendo a beleza do ser e existir.

Invejo os que nunca ouviram falar em shows gospel e nunca souberam das falcatruas dos seus astros que, por amor ao dinheiro, têm adorado a falsos deuses, dentre eles, mamom.

Invejo o cristão que nunca acessou uma internet e nunca teve noção do estado da igreja brasileira. Que ele nunca assista a esses vídeo onde cristãos mais parecem insanos, loucos e des-racionalizados. (Sim a loucura do Evangelho, mas nunca a loucura dos evangélicos).

Invejo o cristão que nem sonha que existem milhares de pseudo-líderes escondendo a cruz de Cristo e faturando grana em detrimento de um falso evangelho.

Os invejo porque sei que estão regozijados e satisfeitos plenamente em Cristo e poupados das tantas loucuras deste mundo.

Estamos diante de um conflito sistemático que nos inquieta. Tudo está em cheque: nossa fé, missão e relevância. E ao notar que as engrenagens do sistema o qual estamos inseridos está enferrujada, não nos cabe mais a fuga, mas sim o doloroso enfrentamento por amor a Deus e a sua Igreja. Daí notamos que “pensar” tem nos gerado sofrimento porque automaticamente esta ação faz com que não nos conformemos com a loucura corrupta deste mundo, e isso ao mesmo tempo nos torna perseguidos por uma outra “fé”, outra “missão” e outra “relevância”.

Outra fé. A fé do evangelho conveniente. A fé do mistério, da prosperidade, da cura, do decreto, da barganha.

Outra missão. A missão de ser feliz a todo custo. A missão de ser destaque neste mundo, ser cabeça, ser filho do Rei e ter direito ao melhor desta terra.

Outra relevância. A relevância de ser um povo separado, longe e distante do pecador.

Sendo perseguido por estas “outras” citadas e denunciado-as como incoerentes com os valores do reino, automaticamente tornamo-nos os perseguidores. E neste prisma, alguns embates surgem como proposta para nosso recuo:

1) Somos acusados de dividir o reino
2) Somos acusados de tocar nos "ungidos do Senhor"
3) Somos acusados de rebeldes e intolerantes
4) Corremos o grande risco de que alguns crentes se afastem de nós
5) Corremos o grande risco de nos tornarmos uma espécie de intruso na igreja

Contudo, 'pensar' ainda tem sido uma arma para igreja nestes tempos - por isso é de se estranhar uma igreja que diz ter a mente de Cristo, mas ao mesmo tempo odeia usá-la.

Pensar. Não é proibido pensar. Aliás, "É proibido proibir" de pensar.

Mas vamos logo sabendo que quem pensa muito, descansa menos. Entretanto, o nosso chamado é para não nos conformarmos, mas nos transformarmos pela renovação da mente. Isto é, penso, logo sigo a Jesus, em Rm 12.2.

Termino pedindo misericórdia e Graça a Deus, pois as "invejas" citadas acima, e que tanto sinto, na verdade podem ser uma evidência de que estou cansando. E cansar pode gerar em mim (ou em nós) a covardia de viver um “Let It Be” religioso, como se ter a mente de Cristo não fosse algo honroso, uma vez que nos faz sofrer, ser mal interpretado, injustiçado e perseguido.

Que Deus me (e nos) ajude a não jogar a toalha!


Soli Deo Gloria
***

Antognoni Misael, cansando diante de tanto anacronismo evangélico, ou como se disse por aí, em-vão-gélico.